Arcabouço aprovado muda regras de atualização do Fundo Constitucional, com limitação de verbas para segurança, saúde e educação
CANAL NBS
O 8 de janeiro trouxe uma consequência grave aos cofres públicos do Distrito Federal. A Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira (24/5), com 372 votos favoráveis, 108 contrários e uma abstenção o arcabouço fiscal, projeto de lei complementar que estabelece limite de gastos da União, com um rombo potencial de R$ 87 bilhões em 10 anos no orçamento da capital do país. Decorre da mudança na atualização do Fundo Constitucional do DF, verba destinada ao custeio e à manutenção da segurança pública e ao auxílio nas despesas de saúde e educação da cidade.
A união de políticos de Brasília não surtiu efeito para convencer o relator do projeto de lei complementar, deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), a retirar do substitutivo apresentado o teto de variação do Fundo Constitucional. A lei que criou o repasse, em vigor desde dezembro de 2002, estabelecia uma correção vinculada à variação da receita corrente líquida da União no período de um ano (leia Saiba mais). Agora, a partir de 2025, ficará atrelada ao teto de despesas primárias, no limite de 2,5% por ano, acrescido do IPCA.
Desde a semana passada, parlamentares, presidentes de partidos, integrantes do Governo do Distrito Federal e outros políticos tentaram convencer Cajado a retirar do texto a mudança no Fundo Constitucional, sob o fundamento de que o DF pode quebrar sem a atualização dos repasses nos padrões dos últimos 20 anos.
Segundo estudo da Secretaria de Planejamento do DF, o Fundo Constitucional cresceu em média 10,71% por ano desde 2003. No ano passado, chegou a 41,96%. Apenas em 2016 houve redução, de 3,08%. Em comparação com o teto de aumento de 2,5%, estabelecido no arcabouço fiscal, apenas em quatro anos — 2010, 2016, 2021 e 2022 — a correção foi inferior.
O secretário de Planejamento do DF, Ney Ferraz, esteve com Cajado e participou de reuniões com líderes da Câmara, conduzidas pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ferraz tem boa relação com o PP, mas Cajado parecia irredutível, e Lira estava afinado com o relator, escolhido por ele.
Ninguém fala abertamente, mas todos avaliam que o desastre na segurança da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro contribuiu muito para contaminar a opinião dos deputados federais em relação ao DF.
A avaliação geral é de que a capital tem "privilégios" ao receber dos cofres públicos da União verbas no montante de R$ 23 bilhões, sem considerar, no entanto, que o GDF tem as prerrogativas de manter em bom funcionamento uma cidade que abriga os Poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário —, além das representações diplomáticas.
Os deputados Alberto Fraga (PL-DF) e Fred Linhares (Republicanos-DF) apresentaram uma emenda ao substituto de Cajado. A votação do destaque ficou para hoje. É a última esperança da bancada do DF. "O relator incluiu um jabuti no projeto que vai prejudicar o Distrito Federal. Até acho que o deputado Cajado deveria trabalhar para levar a capital para a Bahia, porque ninguém vai querer ficar aqui", disse Fraga.
União
O empresário Paulo Octávio, presidente regional do PSD, reuniu, na segunda-feira, presidentes de 21 partidos com a posição unânime contrária ao teto de correção do Fundo Constitucional. As discussões tiveram continuidade, ontem, na residência oficial da Câmara dos Deputados. Mas nada demoveu o relator. "É uma questão fundamental. O Fundo Constitucional foi uma conquista, e a perda ou redução pode inviabilizar o DF", disse Paulo Octávio.
A deputada federal Érika Kokay (PT) tentou convencer os líderes governistas sobre a questão. Ela sabe o impacto político negativo da redução do Fundo Constitucional, inclusive para uma base que vota no PT, servidores públicos, professores e servidores da saúde. "O Fundo Constitucional existe porque Brasília é a capital da República, aqui a gente tem sediadas as embaixadas e todos os Poderes da República. Por isso, não podemos permitir que tenhamos esse impacto que pode chegar a R$ 12 bilhões num prazo muito rápido", argumentou Kokay.
O montante de R$ 12 bilhões foi uma estimativa inicial da Secretaria de Planejamento, atualizado com base em parâmetros adotados pelo próprio relator do arcabouço fiscal. "Importa destacar a projeção para os próximos 10 anos, considerando-se a regra atual, ou seja, pela variação da receita corrente líquida — RCL da União comparada com o regramento proposto, assumindo o IPCA médio anual de 4,5% e crescimento real da despesa de 1,26% a.a", registra o levantamento da Secretaria de Planejamento. Nesse caso, o prejuízo será de R$ 87,8 bilhões até 2033, segundo esse estudo.
Tempo dirá
Ao apresentar seu substitutivo ontem à noite para votação, Cajado explicou sua posição sobre o Fundo Constitucional: "Não haverá prejuízo. Eu recebi a bancada do Distrito Federal, senadores, deputados e deputadas. Eu garanto que não haverá prejuízos", frisou. Segundo ele, haverá correção da inflação com ganho real. "O tempo dirá que estou certo."
E o deputado do PP da Bahia respondeu indiretamente a um questionamento dos políticos do DF sobre quem teve a ideia de incluir a mudança no texto do arcabouço fiscal, uma vez que não constava do projeto original encaminhado ao Congresso pela equipe econômica do governo Lula, conduzida pelo ministro Fernando Haddad. "Foi uma construção coletivizada", destacou.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) já trabalha para tentar derrubar na Casa a mudança do Fundo Constitucional. Mas sabe que a luta é difícil, porque, se isso acontecer, o arcabouço fiscal deverá retornar à Câmara.
Dessa forma, os senadores governistas vão trabalhar para encerrar a questão no Senado e encaminhar para sanção do presidente Lula, uma vez que o arcabouço fiscal é prioridade de Haddad. O projeto é importante para a discussão da reforma tributária.
Por Correio Braziliense
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