Segundo o casal e uma testemunha ouvida pela reportagem, o agressor usava um quipá, barba longa e vestimenta característica de judeus ortodoxos e gritou palavras como "Hamas" e "terroristas" durante a abordagem
CANAL NBS Um casal de refugiados afegãos foi agredido e ofendido no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, em um aparente ataque islamofóbico inflamado pela guerra entre Israel e o Hamas.
O caso ocorreu na última quarta-feira (18) e foi registrado como injúria no Boletim de Ocorrência, protocolado por uma integrante da organização que acolheu a família no Brasil, a Panahgah.
Segundo o casal e uma testemunha ouvida pela reportagem, o agressor usava um quipá, barba longa e vestimenta característica de judeus ortodoxos e gritou palavras como "Hamas" e "terroristas" durante a abordagem.
No B.O., ele foi descrito como "um homem que parecia judeu ortodoxo, pois vestia roupas tradicionais" e que é conhecido pelos comerciantes locais como uma pessoa "encrenqueira". Seu nome não foi revelado. Na abordagem, feita inicialmente à mulher afegã, ele teria dito que ela "era do Hamas e estava matando as crianças do povo dele".
O casal aceitou dar entrevista à reportagem no apartamento onde mora com seus quatro filhos, mas pediu que suas identidades fossem preservadas.
Ahmad (nome fictício), 37, chegou ao Brasil em agosto, com o auxílio de uma ex-chefe americana com quem trabalhava em Cabul na época em que o Talibã tomou o poder, em 2021.
Segundo seu relato do dia da agressão, ele estava regressando do trabalho por volta das 17h quando viu a esposa saindo com os dois filhos mais novos para buscar os dois mais velhos na escola. Ela usava uma túnica e um hijab, lenço característico de mulheres muçulmanas, quando foi abordada pelo desconhecido.
Sem entender do que se tratava, Ahmad afirma que chegou perto e pegou no colo as crianças, de dois e três anos de idade, quando sentiu um empurrão.
Ele diz que levou socos e chutes, enquanto o homem gritava frases com os termos "Hamas", "muçulmanos" e "terroristas" -as três únicas palavras que conseguiu entender, já que ainda está aprendendo português.
Funcionários de um mercado na mesma rua presenciaram o ocorrido. Uma delas, Maria Eduarda Oliveira, 22, disse à reportagem que o homem apontava o dedo para o casal e gritava frases como "Hamas, olha o que vocês estão fazendo com a gente". "Eles atravessaram a rua e o homem veio atrás", contou.
Um motociclista desconhecido viu a cena e parou para ajudar a família e conter a agressão. O casal, então, conseguiu entrar no prédio onde mora e subiu com as crianças para o apartamento. Quando Ahmad voltou, disse que o agressor não estava mais no local.
Segundo o afegão, a família não tinha sofrido, até então, nenhuma hostilidade no Brasil. Ele diz que está assustado e inseguro de deixar a esposa buscar as crianças na escola enquanto ele trabalha. A filha mais velha, de 11 anos, ficou dois dias sem ir à aula por medo de sair de casa.
O refugiado afirmou também que não entende por que foi associado ao grupo palestino que controla a Faixa de Gaza. "Nós nem árabes somos. Nem todo muçulmano é terrorista. Deixamos nosso país para viver em paz, não nos importa e alguém é judeu, muçulmano, cristão. Só quero ter uma vida normal com minha família", afirmou.
Para a advogada Sindy Nobre Santiago, fundadora da Panahgah, o episódio foi especialmente cruel por ter atingido uma família que já está traumatizada pela violência em seu país de origem e pelas dificuldades enfrentadas no processo de migração.
"Quando ele me mandou uma mensagem contando o que tinha acontecido, fiquei muito chateada, porque isso remete a uma situação da qual eles estão fugindo, que é o extremismo religioso. Eles foram vítimas lá, não podemos deixar serem vítimas de novo", diz.
A Panahgah acolheu 220 famílias afegãs nos últimos dois anos, em um total de mil pessoas. Sindy afirma que foi o primeiro caso de violência desse tipo contra refugiados acompanhados pela ONG. Desde que eclodiu o conflito em Gaza, porém, ela relata que houve retração no número de voluntários que aceitam ajudar as famílias em sua adaptação ao Brasil.
"Agora as pessoas questionam: 'Mas que religião eles têm?'; 'Se é muçulmano, como sabe que não é terrorista?' São perguntas com as quais não nos deparávamos antes."
Cristã, Sindy atua em parceria com entidades religiosas no acolhimento aos afegãos. Ela tem conversado com líderes de sinagogas sobre essa questão e feito uma campanha anti-islamofobia com os voluntários de sua organização. "São pessoas que vêm para cá fugindo de uma agressão, e não para agredir", afirma. POR FOLHAPRESS
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