Supremo ainda publicará documento para balizar a decisão das autoridades policiais
REDAÇÃO NBS
A internet se encheu de memes, celebrações e lamentos quando o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para descriminalizar a posse de maconha nessa terça-feira (25/06). Mas, na prática, está permitido fumar maconha sem ter nenhum problema com a lei?
A resposta objetiva é não. Em primeiro lugar, porque uma decisão do STF só passa a valer com a publicação do acórdão, o documento que registra o que foi decidido oficialmente, o que pode demorar alguns dias. Além disso, na tarde desta quarta-feira (26/06), o Supremo ainda decidirá detalhes essenciais, como a quantidade de droga que diferenciará um usuário — que deixará de ser considerado um criminoso — e um traficante.
Até a publicação do acórdão do STF, vale o que é prática atualmente, explica o advogado criminalista Paulo Crosara. “A pessoa é conduzida algemada e assina um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), como se fosse um auto de prisão em flagrante. A pessoa chega na delegacia e assina um papel se comprometendo a ir ao juizado em determinado dia para dar continuidade ao trâmite”.
O artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que está em discussão no STF, não prevê prisão para quem for flagrado com maconha para uso pessoal, mas sim medidas alternativas. A lei lista:
“I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.
O advogado Paulo Crosara explica como a situação costuma se desenrolar nos juizados: “normalmente, se for uma quantidade pequena de maconha, a pessoa recebe uma admoestação verbal, o que quer dizer que consta na ata que ela foi advertida de que maconha faz mal. Tem lugares que fazem você pagar um, dois salários mínimos e fazer cursos sobre os malefícios das drogas”.
Essas penas constam na ficha da pessoa, mas, por uma decisão anterior do STF, não são consideradas como reincidência caso a pessoa cometa outros crimes no futuro, isto é, não agravam sua pena se ela for julgada por outras razões, explica o advogado.
Usuário ou traficante?
No centro da discussão do STF, está a distinção entre usuário e traficante. A lei atual não determina quais são os parâmetros objetivos para diferenciar um do outro e, enquanto o usuário não está sujeito à prisão, o traficante pode ser encarcerado de cinco a 15 anos.
Fica à cargo das autoridades policiais e judiciais decidir se uma pessoa flagrada com maconha pode ser enquadrada como traficante. Defensores da descriminalização argumentam que essa subjetividade reforça o racismo, pois negros são mais encarcerados por tráfico do que brancos. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra que, dos acusados, os jovens negros com menos de 30 anos são a metade dos réus.
O ministro Alexandre de Moraes citou dados de São Paulo em sua defesa pela descriminalização no julgamento do STF. “O negro, de 18 a 26 anos, o analfabeto, é condenado [por tráfico] com 20 gramas. O branco com ensino superior, com 57 ‘gramas”, apresentou. Para advogados otimistas com os efeitos da descriminalização, ela pode diminuir esse viés, pois definirá a quantidade de droga que configura tráfico.
Já os pessimistas avaliam que policiais ainda poderão apontar indícios de tráfico mesmo com quantidades pequenas de droga. “Os votos dos ministros falam que a presunção de usuário é relativa, ou seja, admite prova em contrário. Se a pessoa tiver 10 g, mas provas de que estava vendendo, ainda é tráfico. No boletim, o policial pode dizer que aquele ponto é conhecido por tráfico e prender todo mundo ali”, pondera o advogado Paulo Crosara.
Ele também destaca o artigo 33 da Lei de Drogas, que diz que é crime “oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem”. Ou seja, uma roda de consumo de maconha pode, em tese, resultar numa pena de um a três anos de prisão. Resta ver, diz Crosara, se esse ponto será contemplado no acórdão do STF.
“A prática é o que vai dizer mais. As pessoas vão usar na rua e daqui cinco anos vamos dizer ‘Lembra quando achávamos isso um absurdo’? Vai começar a ter influencer ensinando a cuidar das plantas e isso será normal? Não sabemos”, arremata Crosara.
Por O Tempo
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