A circulação de veículos ainda é menor na cidade como um todo, mas as vias expressas e arteriais da Capital já têm lentidão igual a 2019 e 2020
CANAL NBS
O trânsito nas principais avenidas de São Paulo voltou neste ano aos níveis de congestionamento anteriores à pandemia de Covid-19. A circulação de veículos ainda é menor na cidade como um todo, mas as vias expressas e arteriais da Capital já têm lentidão igual a 2019 e 2020.
Embora seja um alerta para a qualidade de vida e para a saúde pública -afinal, as emissões veiculares são a principal fonte de poluição do ar na cidade-, segundo especialistas ainda há uma janela de oportunidade para aumentar o uso do transporte público e destravar os corredores.v
Os dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) mostram que, em janeiro deste ano, a média de lentidão nas avenidas ficou ligeiramente acima do nível registrado mesmo mês em 2020 -pouco antes das cidades brasileiras entrarem em isolamento social e a circulação de veículos cair drasticamente.
Na comparação dos horários de pico, a média de trânsito em 2023 alcançou os patamares de congestionamento de 2019 pela primeira vez em últimos quatro anos.
A capital paulista não é a única onde se observa essa tendência. "Esse é um movimento que já se observa em outras cidades da América Latina", diz o economista Leonardo Veiga, coordenador de Monitoramento e Avaliação do ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento).
Ele cita o índice de tráfego da empresa TomTom, feito a partir de dados de aplicativos de carona, que calcula quanto tempo os motoristas ficam presos no trânsito em 14 cidades da região, incluindo oito municípios brasileiros. Em todos os países pesquisados (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai) houve aumento da média de congestionamentos.
Nas outras vias da cidade, fora das avenidas, o patamar de congestionamento ainda está cerca de 20% abaixo da média de 2019. Para o engenheiro Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP, essa é uma oportunidade para investir maciçamente em transporte público para mudar a trajetória de crescimento do trânsito.
"É como se alguém tivesse, num passe de mágica, construído 20% a mais de capacidade viária na cidade", diz Ejzenberg. "É hora de fazer, com inteligência, um monte de linhas de metrô e de corredores de ônibus. É o oposto do que está acontecendo, que é o não investimento da prefeitura nos corredores, a diminuição de frota e o aumento do tempo de intervalo nos pontos de ônibus, com o resultado do aumento de subsidio."
Como mostrou a Folha de S.Paulo, apesar de ter volume recorde de dinheiro em caixa, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) desistiu de inaugurar quatro terminais de ônibus e dois corredores BRT. As reclamações dos usuários de ônibus na cidade cresceram 42% em relação a 2022, e a maior parte das queixas foram por causa do intervalo excessivo entre uma condução e outra.
Em dezembro, a cidade já havia registrado picos de trânsito que chegavam ao patamar pré-pandêmico, mas esse fenômeno foi pontual. Agora, é a primeira vez que se observa a volta dos congestionamentos de forma contínua a níveis comparáveis a 2019, mesmo que isso esteja restrito aos principais corredores.
A sensação de um lento retorno a um cenário semelhante ao pré-pandêmico frustra algumas esperanças de que a pandemia naturalmente serviria como ponto de virada em direção a cidades mais sustentáveis e saudáveis.
Há cerca de três anos, imagens de metrópoles com o céu livre de poluição, de animais silvestres circulando em áreas urbanas e dos canais de Veneza com águas cristalinas trouxeram à tona a ideia de que era necessário manter esses benefícios após a quarentena. A cidade de São Paulo chegou a ver melhoras significativas na qualidade do ar, segundo dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
"A poluição do ar, a circulação de veículos e a meteorologia estão diretamente ligadas. Temos de pensar no transporte coletivo de qualidade para que diminuir o nível de emissão veiculares, que contém o material particulado que é prejudicial à saúde", diz a gerente da divisão de qualidade do ar da Cetesb, Maria Lúcia Guardani.
No entanto, resolver problemas complexos como o sistema de trânsito de São Paulo leva mais do que dois ou três anos, lembram os especialistas.
A explicação para a volta dos congestionamentos, em parte, está na falta de acesso ao transporte público de grande parte da população. Segundo a plataforma MobiliDados, do ITDP, apenas 17% da população da região metropolitana de São Paulo tem transportes de média e alta capacidade próximo a sua casa. A plataforma usa dados do IBGE para calcular o índice.
Nesse cenário, a maior parte da população vê no carro como melhor alternativa para se locomover.
"Não existe solução fácil para problema complexo", diz Veiga, do ITDP. "As soluções são sempre de longo e médio prazo, e especialmente numa cidade como São Paulo, não há sistema que se refaça de uma hora para outra. Mas isso não é desculpa para não pensar formas de transito mais sustentáveis."
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