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Doenças raras: Brasil tem 17 clínicas e 13 milhões de pacientes

Concentração de estabelecimentos na região centro-sul obriga pacientes a se deslocarem ou até a mudarem de endereço em busca de tratamento


CANAL NBS - POR METRÓPOLIS


As doenças raras são aquelas que aparecem com frequência igual ou inferior a 65 casos, a cada 100 mil habitantes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem entre 6 mil e 8 mil tipos de condições consideradas raras – 30% delas são fatais e vitimam os pacientes até os 5 anos de idade, 75% afetam crianças, e 80% têm origem genética.

De acordo com estimativa da Interfarma – entidade que reúne as indústrias farmacêuticas –, o Brasil tem 13 milhões de pessoas que se encaixam no perfil. Apesar disso, existem apenas 17 estabelecimentos de cuidado especializado credenciados pelo Ministério da Saúde no país, a maioria deles no centro-sul.

Do total, 16 empresas disponibilizam serviços de referência, e duas trabalham na área de atenção especializada – vale ressaltar que o Hospital Universitário Walter Cantídio, no Ceará, tem dupla habilitação e disponibiliza tratamentos em ambas as modalidades. Não há estabelecimento habilitado na região Norte.

Com a publicação da Portaria nº 199/2014, do Ministério da Saúde, surgiu a possibilidade de as unidades que atendem aos pacientes de doenças raras receberem uma quantia mensal de R$ 41.480 por equipe, no caso dos serviços de referência, e de R$ 11.650, para assistência médica de atenção especializada. Caso exista mais de um serviço no mesmo estabelecimento, há acréscimo de R$ 5.750.

“Esses centros são ambulatórios que recebem a chancela do Ministério da Saúde para funcionar como tal. Para doenças raras, esses centros sempre existiram nos hospitais universitários, e a maior parte das pessoas tem doença de base genética e consegue atendimento nesses locais. Outro exemplo é a Rede Sarah, que já existe há muito tempo.

“O total contabilizado considera apenas os 17 estabelecimentos habilitados junto ao governo, mas existem outros menores, que não são especializados e não recebem repasse do ministério”, explica Natan Monsores, coordenador do Observatório de Doenças Raras da Universidade de Brasília (UnB).


Outros 20 centros já pediram habilitação e aguardam resposta do governo. O professor pontua que serviços menos organizados, em universidades menores, acabam não conseguindo a habilitação, devido à falta de infraestrutura.

Serviço indispensável

O paciente com doença rara precisa de atendimento constante e, para ter uma melhor qualidade de vida, demanda acompanhamento quase diário de uma equipe multidisciplinar de fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, médicos, enfermeiros e dentistas.

Os remédios específicos para algumas condições clínicas são famosos pelo alto preço, mas só funcionam para uma minoria das pessoas acometidas por determinadas enfermidades. Cerca de 15% das doenças podem ser controladas ou ter sua evolução freada com o uso de medicamentos. O cuidado diário para todos é indispensável.

Essa distribuição dos serviços de atendimento em saúde pode gerar uma problema para o paciente. Como é a região mais densamente povoada do país, o centro-sul costuma concentrar a maior parte dos pacientes e, por isso, a maioria dos hospitais e clínicas fica por lá.

Porém, no caso de doenças raras de causa genética, há uma alta incidência no Nordeste. A colonização portuguesa – que estimulou casamentos entre membros da mesma família, o chamado “efeito fundador” – pode ser responsável por pacientes com doenças consideradas “ultrarraras”. Em alguns casos, o paciente e seus familiares precisam mudar de cidade ou até de estado para conseguir acompanhamento adequado.

Vazios no atendimento

O diretor de políticas públicas da associação de pacientes Instituto Unidos Pela Vida, Cristiano Silveira, ressalta que esses “vazios” no atendimento obrigam muitas famílias a se deslocarem. Essa imposição não é algo que recorrente apenas para doenças raras, mas também para outras condições que demandam serviços de alta complexidade.

Algumas áreas são bem desatendidas. O paciente que não encontra tratamento na sua cidade tem direito a uma ajuda de custo para tratamento fora de domicílio, que tem valor diferenciado para cada estado, dependendo também de para onde ele precisa ir. O dinheiro geralmente é insuficiente para cobrir todos os gastos com hospedagem, alimentação e demais custos que envolvem sair de casa, às vezes por grandes períodos, para fazer um tratamento. Cristiano Silveira, diretor de políticas públicas da associação de pacientes Instituto Unidos Pela Vida

O vice-presidente da Interfarma, Eduardo Calderari, considera que a quantidade de centros é um gargalo “absurdo”, e que a questão passa pela falta de financiamento do Estado e de investimento em médicos especialistas. O representante da empresa destaca ainda que não enxerga ações contundentes por parte do governo para reverter o quadro. “Vemos parlamentares que puxam essa pauta. A Interfarma, as associações de pacientes, a sociedade médica, todos esses agentes atuam pressionando, mas não vejo ações efetivas”, afirma.

Tem solução?

No que se refere a doenças raras, a questão do acesso igualitário à Saúde é ainda mais complicada, e poucos países do mundo possuem políticas específicas para atender a essa população. Na Europa, por exemplo, muitas vezes é necessário viajar para outro país para conseguir o tratamento. No Brasil, pelo tamanho continental, ocorre um cenário semelhante.

Não tem fórmula mágica. Podemos melhorar a qualidade do serviço que já existe, e dimensionar a capacidade instalada que temos. Não adianta criar um monte de política e portaria se não sabemos nem quais serviços funcionam, qual a capacidade de atender pacientes que vêm de outras cidades e regiões. Natan Monsores, coordenador do Observatório de Doenças Raras da Universidade de Brasília (UnB)

Se há portarias que pavimentam o caminho para organizar o atendimento, falta financiamento para que as políticas sejam, de fato, consolidadas. “Precisa de dinheiro, profissional treinado, equipamento. Há boas intenções em criar leis, mas, na hora da implementação, tudo falta. Devemos, enquanto sociedade, cobrar e acompanhar, pressionando para que a lei seja aplicada em sua totalidade”, diz Calderari.

Monsores avalia que, embora a norma federal tenha definido o marco legal sobre doenças raras no SUS, a iniciativa não foi suficiente para aumentar a rede ou melhorar a infraestrutura de atendimento. “É algo transversal do sistema, que depende de redes que já existem. A portaria criou a possibilidade de habilitação, mas depende dos estados e municípios complementarem os centros, e boa parte deles têm outros problemas estruturais mais urgentes”, relata.

O vice-presidente da Interfarma considera que instituir comissão especial para doenças raras seria uma maneira interessante de começar a transformar esse cenário. Calderari sugere a criação de um grupo de especialistas para acompanhar os avanços feitos dentro do tema e opinar, de maneira embasada, sobre a quantidade de recursos necessários para expandir a rede de atendimento.

“Não precisamos reinventar a roda. Temos programas de excelência que podem ser replicados (como o da Aids e das hepatites, por exemplo) e que trariam mais eficiência de gestão, melhorando a qualidade”, afirma o vice-presidente da Interfarma.

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