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‘Costura por cima’ tira Bolsonaro de 2022 para encontrar nome contra Lula, diz Vitor Marchetti

Para cientista político, com negociações, “declaração à nação” e participação de Michel Temer, presidente sacrifica sua base mais radical, mas consegue afastar impeachment e prisão dos filhos

CANAL NBS - POR REDE BRASIL ATUAL



São Paulo – O inesperado recuo de Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (9), com sua oficial “Declaração à Nação” articulada e escrita por Michel Temer, após os arroubos fascistoides de 7 de setembro, parece ser uma capitulação, embora parcial. O presidente, que em 2016, como deputado, votou no impeachment de Dilma Rousseff homenageando o torturador Brilhante Ustra, havia se colocado diante de possibilidades cada vez mais sombrias. Emparedado pelas instituições, teve de ceder. Os duros recados dos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, não deram margem a dúvidas de que Bolsonaro estava isolado e que os tribunais não recuariam ante as ameaças.

Mesmo o “cauteloso” presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deixou claro em seu discurso que não havia mais o que discutir sobre voto impresso, tema no qual Bolsonaro voltou a insistir para sua claque de fanáticos. Em Brasília sabe-se que não cumprir acordo fechado com Lira pode custar caro. Gilberto Kassab, presidente do PSD, um dos poderosos líderes do Centrão, colocou a palavra impeachment novamente em debate. Mas, depois do recuo palaciano , o próprio Kassab declarou à jornalista Malu Gaspar que “não há risco de impeachment por conta desse episódio do 7 de setembro”.

Para o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, a aposta de Bolsonaro de que poderia frear o STF, planejada para ser executada na Semana da Pátria, “foi por água abaixo”. “A saída que ele encontra é de fato esse acordo. E me parece que é um acordo que o tira de 2022. Ele sacrifica sua base mais fiel para fazer uma costura por cima”, diz. “Essa costura significa produzir politicamente uma candidatura que seja capaz de derrotar o Lula. Se essa costura de fato vem, me parece que inclui viabilizar uma segunda via que não é Bolsonaro.” Na opinião do professor, se não há ainda um nome capaz de galvanizar o eleitorado para essa missão, é porque esse nome “só vai surgir se eles tirarem Bolsonaro do caminho”.

O que o presidente ganha com isso? Não apenas se livra de um impeachment que se aproximava. Principalmente, a curto prazo, tenta afastar a possibilidade da prisão dos filhos, considerada uma hipótese concreta, principalmente a do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado no inquérito das fake news do STF, cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes, a quem Bolsonaro chamou de canalha em seu discurso na Avenida Paulista. Aparentemente, a ficha de Bolsonaro caiu após o 7 de setembro. A decepção de sua base é o preço a pagar. O presidente vai continuar com seu estilo, mas de certa maneira neutralizado. O que, daqui para a frente, pode “até ser útil” dentro do atual quadro, na opinião do cientista político.

Os que parecem ter se dado mal com a costura são os militantes mais radicais e raivosos, que correm o risco de continuar sendo enviados à prisão. “Com o abandono dessa base mais radical, se continuar tendo figuras como Zé Trovão… Esses caras vão rodar. O acordo não passa por proteger esses caras, mas exatamente para limar esses caras. Quem sai protegido dessa são os filhos”, diz Marchetti, em entrevista à RBA, reproduzida abaixo.

O recuo de Bolsonaro é um “acordão”? Como avalia a conjuntura após 7 de setembro e a “declaração à nação”?

A temperatura subiu para ele. Se tornou provável que o tema do impeachment voltasse à mesa, ainda que sendo um cenário difícil de acontecer. É só olhar para o Kassab. Ele se movimentando nessa direção foi significativo, e indica um outro ambiente no Centrão, mesmo que o PP seja uma base ainda mais fiel. Mas mostra que a temperatura começou a subir.

E há a possibilidade da prisão dos filhos. Isso está dado. O STF não tinha dado nenhum sinal de recuo em relação a isso e a capacidade de Bolsonaro de mobilizar alguma coisa que de fato pudesse frear o STF. Acho que isso foi por água abaixo. A saída que ele encontra é de fato esse acordo, e me parece que é um acordo que o tira de 2022.

Por quê?

Acho que ele sacrifica sua base mais fiel para fazer uma costura por cima. Essa costura significa produzir politicamente uma candidatura que seja capaz de derrotar o Lula. E essa candidatura não é a dele. Se essa costura de fato vem, me parece que inclui viabilizar uma segunda via que não é Bolsonaro.

Tem uma agenda que está no STF, a questão do marco temporal, a discussão sobre precatórios, pautas no Congresso da agenda dessa elite politica e econômica no curto prazo. E, depois, é viabilizar uma candidatura de defesa desses interesses no futuro. Qual vai ser esse nome, qual será a candidatura, isso não está claro.

Até porque não tem esse nome…

Não. Mas só vai surgir esse nome se eles tirarem Bolsonaro do caminho. Essas coisas são muito dinâmicas, ainda mais do modo como a política tem sido conduzida no país. Mas me parece que ele sacrificou uma parte importante da sua base. Os formadores de opinião do bolsonarismo estão todos se realinhando, dizendo: “há uma estratégia aí, aguardem e verão…”, mas isso a gente sabe que são os caras pagos para defender de fato o governo. Já a base mais orgânica foi bastante afetada.

Sobre esse morde e assopra, “aguarde dois dias” etc., Bolsonaro é incontrolável e, mesmo Temer fazendo o meio campo, ninguém pode prever o que ele vai fazer daqui a pouco. Já cutucou Barroso praticamente em seguida. Essa “paz” é duradoura?

Acho que ele vai continuar sendo ele. A questão é que vai perder cada vez mais a espontaneidade dessa base, e perdendo isso, vai ficar mais isolado. Talvez manter esse espírito de um “maluco incontrolável” seja útil para construir o argumento de que, de fato, não tem condições de ser o candidato em 22. “Então vamos manter o sujeito maluco dentro do cercadinho.”

Ninguém ali – Temer, Centrão – acha que vai domar Bolsonaro. Essa expectativa talvez estivesse lá no começo do governo. Ninguém mais tem essa expectativa. A questão é produzir uma situação em que os estragos que ele gera para o funcionamento do sistema sejam minimizados. Vai continuar falando as maluquices dele, sendo cada vez mais desgastado, mais impopular. Já não tem mais sinal de recuperação econômica, não tem mais onde salvar a reeleição.

Então, ele se manter produzindo tensões e suas cutucadas parece até útil, para ali adiante anunciarem ou mostrarem que ele é inviável como candidato, e se pensar na segunda via. Esse me parece o script da coisa.

O impeachment fica difícil diante desse cenário e de Arthur Lira, não?

Acho que o sinal que o Centrão deu foi o seguinte: “quem controla esse negócio de impeachment somos nós”. E recolocaram o assunto na mesa, dando sinais de que poderiam avançar por aí. Sempre achei muito difícil, muito pouco provável que acontecesse. Mas quando tem um Kassab falando nisso, já se acende um sinal de alerta: alguma coisa de fato mudou.

Mas já duvido, depois da apaziguada, da entrada do Temer e tudo o mais, que esse assunto sobreviva. Quanto mais próximo do final deste ano, mais improvável será. Quando entrar o ano que vem, a gente entra em outra agenda, outra discussão, sobre eleição. E acho que nesse momento a gente já vai estar discutindo um cenário eleitoral sem Bolsonaro.

No atual cenário, com a entrada do Temer, o impeachment fica mais distante. Aí se produz a interdição, o impedimento de Bolsonaro por um acordo de ele não ser candidato à reeleição. O acordo pode passar por aí.

E os boatos de que o STF estaria negociando, que Alexandre de Moraes poderia sair do comando dos inquéritos que atingem o bolsonarismo… Parece que Gilmar Mendes está ativo nos bastidores. O STF poderia recuar?

Se acontecer alguma coisa, acho que não vai ser nada muito chamativo, que reforce a ideia de que o presidente venceu ou avançou. Acho que a postura do STF vai ser discreta, gradual e que a gente vai perceber só ao longo do ano. Não há muita informação de como está o timing desses processos. Então vão controlar nos bastidores, vão ser mais acenos de bastidor do que públicos. Uma hora vai chegar tudo para Augusto Aras, e a gente sabe como isso vai acontecer.

Vamos ver se Alexandre de Moraes vai continuar mandando prender essas figuras…

Exato. Talvez continue, porque com o abandono dessa base mais radical, se continuar tendo figuras como Zé Trovão… Esses caras vão rodar. O acordo não passa por proteger esses caras não, mas exatamente para limar esses caras. Quem sai protegido dessa são os filhos.



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