São 41 mil famílias a menos para receber o benefício neste início de ano.
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O número de beneficiários do Bolsa Família deve cair em janeiro, na contramão da expectativa de aumento de famílias atendidas em 2021 após o fim do auxílio emergencial.
A cobertura do programa neste mês está prevista para ser a menor desde o início da pandemia: 14,232 milhões de famílias. No fim de 2020, eram 14,273 milhões. São 41 mil famílias a menos para receber o benefício neste início de ano.
O recuo contradiz o discurso do governo ao apresentar o projeto de Orçamento de 2021, quando projetou 15,2 milhões de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza recebendo a transferência de renda.
Já são cerca de 1,4 milhão de famílias esperando para entrar no programa. Essa fila é formada por pessoas que já tiveram o cadastro aprovado pelo Ministério da Cidadania e, portanto, se enquadram nos critérios. Isso, porém, não garante o recebimento do benefício. Falta o governo liberar a ampliação da cobertura.
Segundo o Ministério da Cidadania, o "Bolsa Família, por força legal, só pode atender a um número de famílias que seu orçamento comporta".
Em janeiro, o benefício médio a ser pago por família também deve cair, em função, principalmente, da composição dos lares –o valor sobe de acordo com a quantidade de filhos ou com a renda.
Antes da crise da Covid-19, o repasse médio por família foi de R$ 201,58, em valor corrigido pela inflação de março a dezembro. Agora, em janeiro de 2021, a transferência de renda deve ser, em média, de R$ 190,57.
O governo de Jair Bolsonaro ainda não deu reajuste ao benefício do programa. O último aumento foi em julho de 2018, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Técnicos do governo avaliam mudanças no programa para que, na prática, o valor médio chegue a R$ 200. Isso, porém, não compensa a inflação acumulada desde o último reajuste.
Em julho de 2018, o benefício foi de R$ 188, mas, corrigindo o dado pela inflação, foi o equivalente a R$ 208,35 em valores de hoje. Portanto, as mudanças no Bolsa Família em estudo pelo governo não repõem o poder de compra dos beneficiários, pois a defasagem chega a 11%.
Além disso, o plano de subir o benefício médio para R$ 200 não é consenso no governo, já que a medida pressionaria ainda mais o orçamento do programa, reduzindo a capacidade de atender a mais famílias na crise do coronavírus.
Se o valor for corrigido, a verba será suficiente para transferir renda a 14,5 milhões de famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. Sem reajuste, o repasse mensal de R$ 190, em média, cobriria mais de 15,2 milhões de famílias, como previsto no projeto de Orçamento de 2021.
"A atualização para R$ 200 é insuficiente para repor a inflação. Não existe uma periodicidade para essas correções. É uma fragilidade do programa, pois depende de ato discricionário do Executivo. Mas o adequado é que o reajuste seja regular", avalia a especialista em políticas públicas Letícia Bartholo.
A piora da situação das famílias e o aumento da fome são observados na ponta pelo diretor-executivo da Ação da Cidadania, Kiko Afonso. A entidade atua em todas as regiões do país e tem entre suas principais atividades a distribuição de alimento a famílias carentes, sendo responsável pela campanha "Natal Sem Fome".
Afonso afirma que o início de 2021 traz uma combinação trágica de fatores que devem atingir com força a população mais pobre. Segundo ele, há uma associação de continuidade da pandemia, ampliação do desemprego, aumento do preço dos alimentos, fim do auxílio emergencial e falta de perspectiva para o Bolsa Família, que segue estagnado e com fila de espera superior a 1 milhão de famílias.
"Não tem nada no curto prazo que nos dê um alento. A gente está muito preocupado, a nossa visão é de uma piora imediata, já muito grave. A gente percebe isso nas famílias que a gente atende, são pessoas que não têm nada", disse. "Estamos tentando fazer nossa parte, mas só o governo tem capacidade de tomar decisões e ajustar a economia para garantir a alimentação das pessoas. E não estamos vendo ação do governo".
No primeiro ano da gestão Bolsonaro, foi liberada a 13ª parcela aos beneficiários do Bolsa Família. Em 2020, os valores recebidos subiram temporariamente por causa do auxílio emergencial –que variou de R$ 300 a R$ 600 por mês.
Mas, para 2021, nenhuma dessas medidas está prevista. O orçamento está estimado em R$ 34,9 bilhões, sem a previsão de pagamento do 13º às famílias atendidas. Em 2019, a verba, corrigida pela inflação, foi de R$ 35,8 bilhões e, mesmo assim, o governo teve que, nos últimos dias do ano, remanejar dinheiro da Previdência e outras áreas para conseguir cumprir a promessa do 13º benefício.
Além da defasagem no valor médio transferido para as famílias, o governo também deveria, na avaliação de especialistas, ajustar os critérios para ter direito a entrar no programa.
O Cadastro Único do Bolsa Família considera, desde 2018, em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 89 por membro da família. Rendimentos entre R$ 89,01 e R$ 178,00 são classificados como situação de pobreza. É possível acessar o programa mesmo sem filhos.
Pelo critério do Banco Mundial, a extrema pobreza inclui rendimento de até US$ 1,90 (R$ 10,09) por dia, equivalente a R$ 302,70 por mês por pessoa. Se encaixam na pobreza, para a entidade, pessoas com renda entre US$ 1,91 e US$ 5,50 (R$ 29,21) per capita por dia, equivalente a R$ 876,30 por mês.
Durante o ano passado, o governo chegou a apresentar um plano para substituir o Bolsa Família por um novo programa, chamado de Renda Brasil. A assistência teria valor mais alto e número maior de beneficiários.
No entanto, divergências entre governo e Congresso fizeram a ideia ser engavetada. O principal entrave é a falta de consenso sobre a fonte de recursos para financiar o programa. Também há resistência de políticos, inclusive de Bolsonaro, a fazer ajustes no Orçamento que abririam espaço para novos gastos sociais.
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